sexta-feira, 3 de junho de 2011

Desvarios


Vasculhei a agenda telefônica a procura de alguém que me pudesse ser útil naquele momento, para tomarmos um bom vinho e jogarmos conversa fora. Com o polegar direito passei contato por contato - mas, como era de costume fui traída pelo o indicador, que não indicava apenas o que eu estava procurando, mas também o início da minha loucura. Eu sabia quem sempre era útil nos momentos de devaneios e por insistência sempre tentei buscar um novo rumo. De súbito larguei o aparelho, peguei o casaco e saí. Andei alguns metros prestando atenção na neblina que caia sob a minha frente, mas que só era percebida pelas luzes dos postes que sempre ficam intactos, e não sofrem nenhum curto circuito ao colidir com as gotas de água que caem do céu. Senti uma palpitação descontrolada e uma vontade inexplicável de ir naquele lugar. A neblina me despertou pensamentos e momentos vividos a pouco mais de seis anos. Ah! Deus! Como eu lembro! Éramos tão jovens e insanos, que sempre fazíamos promessas de nunca nos separarmos, e não acreditávamos que o tempo um dia nos tornasse tão frios, sem planos e vítimas de uma época tão prazerosa. Caminhei apressadamente para o café que ficava a dois quilômetros de onde eu me escondia, na ilusão de ali encontrar quem minha intuição indicava. Olhei para o interior daquele ambiente e vislumbrei de cabeça baixa, segurando o vinho mais pedido da casa, o chateau, o veneno que sempre me corrói e me restaura. Tremi dos pés a cabeça, senti minha corrente sanguínea palpitando de tanta adrenalina. Quis voltar correndo, só que nessas horas (como também já era de costume), fui mais uma vez traída pelas emoções, confundi com a que dizia para ir embora e abri a porta. Fiquei ali, parada, sem saber o que fazer. Imediatamente levantou os olhos e veio em minha direção para cumprimentar-me. Esperei qualquer tipo de expressão, mas nunca essa: eu sabia que você viria. Naquele momento senti minha alma desmaiar ali mesmo, e ninguém para socorrê-la. Não senti nenhuma parte do meu corpo, apenas as batidas do coração, que ecoava pelo ambiente inteiro. Sentamos. Para aquele momento o vinho que cairia bem era um tinto seco, mas resolvi pedir o suave, de seco bastava minha garganta. Penetrei meus olhos naquela taça e pude ver através do vinho os seus direcionados a mim. Tomei o fôlego, controlei-me, ergui a taça e disse: a você.  Não hesitou, também ergueu a taça e disse: a esse lugar, a nós. Mais uma vez, o mundo parou, as pernas tremeram e o que se escutava era apenas o eco das batidas do meu peito.  O efeito do vinho já corria pelas veias, assim como nossas risadas atingiam cada metro quadrado daquele lugar. De repente as risadas pararam e deram lugar a um silêncio constrangedor. Ele arrastou sua cadeira para perto da minha, passou seu braço por cima do meu ombro e enfiou a mão entre os meus cabelos. Nos beijamos ali mesmo, desesperadoramente. Lá fora a neblina dava lugar a uma tempestade que apontava no leste. Uma rajada de vento invadiu meu quarto arrebentando a janela e me molhando toda. Pulei da cama como quem pula de salto em distância. Com a respiração ainda ofegante acomodei-me no canto do quarto, olhei de um lado para o outro: era tudo um sonho.